PROJECTO DE RECOLHA E EDIÇÃO DE MÚSICA TRADICONAL INFANTIL DA GUINÉ BISSAU
O Sector Autónomo de Bissau corresponde à cidade de Bissau, situada no estuário do rio Geba. Portugal constituiu-a Capitania em 1692, concedeu-lhe o estatuto de vila em 1858, de cidade em 1914 e de capital da colónia em 1942. Após a independência manteve-se como capital do país. Há muitos séculos ponto de encontro de culturas, Bissau é habitada por cerca de um quarto da população do país (à volta de 400 mil habitantes), pertencente a cerca de 20 grupos étnicos diferentes, distribuídos por vários bairros. Esta enorme diversidade faz do crioulo a língua de encontro e de partilha e de Bissau uma cidade cheia de contrastes: Bissau Velho, junto ao porto, um pequeno, mas harmonioso bairro de arquitectura colonial; muito perto a Av. Amílcar Cabral com edifícios coloniais, como o que alberga os correios ou o Ministério da Justiça, e a Sé Catedral; a rotunda da Chapa onde é possível encontrar toda a gente; o Mercado do Bandim, o maior mercado de rua da Guiné-Bissau, que começa na Mãe de Água e se espalha pela Av. Dos Combatentes da Liberdade da Pátria, ocupando passeios e lojas e armazéns dos seus dois lados, onde se vende de tudo que se possa imaginar. Depois do trabalho de recolha de música tradicional infantil efectuado em todas as regiões do país, depois da recolha de música cantada em tantas línguas era chegada a hora das canções infantis em crioulo. E porque Bissau é formado por muitos “Bissaus” procurámos a diversidade e o encontro. Assim, num dia gravámos o jovem músico Sanassi Sissé que, em crioulo, cantou canções suas e de José Carlos Schwarz. Noutro dia fomos até ao bairro Militar, onde recolhemos canções cantadas por crianças em Crioulo e Pepel. No dia 14 de Junho, a Dra. Odete Semedo reuniu, no seu gabinete no INEP, um grupo de quatro mulheres e um homem, pertencentes a diversos grupos de mandjuandades, que cantaram canções de embalar tradicionais. Os 2 dias seguintes e também os nossos últimos dias na Guiné-Bissau, foram dedicados a gravar os Netos do Bandim, um Grupo Cultural constituído por indivíduos de ambos os sexos e de várias idades, residentes no bairro do Bandim, onde está também localizada a sua sede. Este Grupo Cultural dedica-se a recuperar e divulgar as canções e danças tradicionais da Guiné-Bissau, valorizando a cultura e promovendo a formação das crianças nos diferentes domínios da cultura. Com os Netos do Bandim gravámos canções infantis, de embalar, lenga-lengas, rodas, etc. Com os Netos do Bandim terminou a recolha de canções tradicionais infantis e, na madrugada deste dia regressámos a Portugal, dando por finda a primeira parte deste projecto.
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A Região Bolama-Bijagós não fazia parte do projecto, por diversas razões. Inesperadamente surgiu uma oportunidade para visitar a ilha de Orango e decidimos tentar estender a nossa recolha a este território. O mosaico cultural guineense ficaria muito mais completo. Orango é a maior ilha do arquipélago e a mais distante do continente. Conhecida pelos seus hipopótamos marinhos e tartarugas que aí vão desovar, integra um Parque Nacional com o mesmo nome. É também nesta ilha que viveu e está sepultada a rainha bijagó Okinka Pampa. Esta rainha é venerada por ter dificultado a colonização portuguesa, tendo conseguido um acordo de paz que protegia o seu povo. Partimos para a ilha de Orango na manhã do dia 9 de Junho. Apanhámos o barco do Orango Parque Hotel em Quinhamel e após cerca de 4 horas, embalados pelo mar e fascinados com a beleza dos mangues, pelicanos, praias, golfinhos, ilhas, como que vivendo um documentário do National Geographic, chegámos ao nosso destino. No dia seguinte, acompanhados de Mariana Ferreira, musicóloga e responsável pelo Orango Parque Hotel, fomos à tabanca Eticoga, ao encontro de um grupo de mulheres e crianças. Com umas e outras gravámos canções cantadas em Bijagó, Crioulo e Português. No dia 11 dissemos adeus a este pedaço do paraíso e regressámos ao continente e a Bissau. Chegámos a Quinhamel, capital da região do Biombo, no dia 7 de Junho. A região de Biombo é uma das mais pequenas da Guiné-Bissau e está situada entre o oceano Atlântico e o Sector Autónomo de Bissau. Esta é uma região com grandes áreas de mangal, habitada por muitas aves, como o pelicano e a garça, e com muita ostra. É também de Quinhamel que saem os barcos para algumas das ilhas dos Bijagós, como Orango ou Keré. Biombo é chão Pepel, uma etnia animista que preza muito a sua cultura e tradições. Quando chegámos estava a decorrer o fanado (iniciação masculina) e, por isso, vimos muitos jovens adultos vestidos com os seus panos tradicionais, o muito famoso “panu di pinti”, composto por tiras de panos, tecidas por homens em teares manuais e cozidas à mão. Visitámos o régulo Casmacó, do reino de Tor, que vive na tabanca Dorse, e na sua morança gravámos algumas canções Pepel cantadas por um grupo de crianças. No dia seguinte gravámos canções Pepel nas escolas das tabancas Bijimita, Ndjaclac e Quiuta. Na tabanca Ome fomos ao mercado e uma mulher cantou para nós algumas canções de ninar em Pepel. Neste dia fomos também conhecer o régulo mais importante desta etnia. Este régulo é um homem muito idoso, chamado Ule Cá e vive em Bijimita. Todos os régulos Pepel são da mesma linhagem, chamada Djagra. A região de Cacheu está situada no noroeste da Guiné-Bissau e tem como capital a cidade de Cacheu. Rodeada por mar e rias, esta região é dividida pelo rio com o mesmo nome. A margem norte do rio Cacheu é habitada por Felupes e Baiotes, dois subgrupos da etnia Joola maioritariamente instalada na Casamansa, ou seja, do outro lado da fronteira com o Senegal. A sul do rio Cacheu é zona de Manjacos e Mancanhas. A margem norte do rio Cacheu é atravessada por uma estrada “que dança”, i.e., uma estrada de terra batida e de piso difícil, que liga São Domingos a Varela, uma pequena povoação situada à beira-mar. O primeiro explorador português, Álvaro Fernandes, chegou à praia de Varela em 1446. Nós chegámos no final do dia 29 de Maio e ficámos instalados no único hotel da zona, o Chez Heléne, gerido por uma italiana (neta da senhora Heléne). E não poderia ter sido uma chegada melhor, ainda tínhamos duas horas de sol e estávamos mesmo ao lado da única praia de areia da Guiné continental. Não havia opção senão conhecer o extenso areal deserto, onde os únicos veraneantes eram suínos e bovinos, e a água estava a à temperatura "agradável" de 28ºC. Depois do mergulho voltámos ao hotel onde nos foi servida uma refeição fantástica, por um chefe italiano. No dia seguinte, acompanhados pelo Leon Djata, um professor da escola de ensino básico de Tenhate, visitámos Basseor, onde gravámos canções Felupes cantadas por crianças e por mulheres. Na escola de Tenhate, gravámos canções cantadas por crianças e na tabanca Sucujaque gravámos canções cantadas por mulheres sentadas na varanda da casa de um dos principais régulos Felupe. Ao fim da tarde regressámos a Basseor, onde a mulher do Leon nos tinha preparado uma saborosa refeição, acompanhada por vinho de palma. No dia 31 de Maio deixámos Varela e, de regresso a São Domingos, parámos em Suzana e no jardim infantil recolhemos canções Felupes cantadas por crianças. Daqui seguimos para a tabanca Nhambalam onde, depois de assistirmos a um ritual familiar animista, gravámos canções Baiote cantadas por crianças e por mulheres. Daqui seguimos para Canchungo, na margem sul do rio Cacheu. Deste lado do rio, está a cidade de Cacheu, que foi a primeira povoação criada pelos portugueses. Em 1588 foi construído um forte e em 1641 foi criada a Capitania de Cacheu, com Gonçalo Gamboa Ayalla como seu primeiro Capitão-mor. Foi também em Cacheu que os portugueses construíram a primeira igreja na África Ocidental. Cacheu foi um grande porto de saída de escravos e, actualmente a memória da escravatura tem estado a ser resgatada através do projecto “Cacheu, Caminho de Escravos”, financiado pela União Europeia, tendo sido inaugurado em 2016 o Memorial da Escravatura e Trafico Negreiro de Cacheu, que visa a divulgação da cultura e da história de Cacheu. Perto de Cacheu está localizada a cidade de Canchungo, onde chegámos ao fim do dia 31 de Maio. Devido à hora que chegámos tivemos de escolher o local do alojamento sem grande conhecimento. Aqui as opções eram um hotel ecológico de um francês ou um outro no centro da cidade mas de onde as referências eram duvidosas. Posto assim a escolha parece óbvia mas acabou por ser a escolha errada. Apesar do excelente jantar que nos foi servido, a “ecologia” dos quartos revelou-se bastante desconfortável, sem água canalizada (nem esgoto obviamente) nem ventoinhas, sanita ecológica dentro do quarto, redes em mau estado, calor… No dia seguinte logo pela manhã fomos ver os quartos do outro hotel, no centro da cidade, que tinham água canalizada, ar condicionado, televisão e até varanda. Ficámos dois dias na região de Cacheu a sul do rio com o mesmo nome. Nesta zona habitada por Manjacos e Mancanhas a nossa missão revelou-se muito difícil, pois as crianças destas duas etnias já quase só falam crioulo e só conhecem canções nesta língua. Além disso, no primeiro dia era 1 de Junho, o dia internacional da criança e as escolas tinham preparado festas para os seus alunos. Participámos da festa da escola Artur Ferrazzetta, no bairro Iolabuti da tabanca Manjaca Pandim. Com muita persistência conseguimos gravar canções Manjacas nas tabancas Pandim, Tame e Canhob. Aqui contámos com a ajuda do chefe Valentim, que reuniu um grupo de mulheres muito bonitas e com trajes belíssimos que cantou em Manjaco uma mão cheia de canções de embalar e também algumas crianças que cantaram canções cristãs, as únicas que sabiam em Manjaco. O dia seguinte foi dedicado à etnia Mancanha e fomos às tabancas Có, Cassinate, Fei e Bolon. Em todas tivemos a mesma dificuldade em conseguir encontrar crianças que soubessem canções tradicionais nesta língua. Apesar disso, na escola Joaquim Mantan Biague, na tabanca Có, conseguimos gravar algumas canções cantadas por rapazes. Em Cassinate gravámos canções cantadas por mulheres e um homem. Em Fei conseguimos a participação de algumas mulheres que se encontravam reunidas para um toca-choro e em Bolon de mulheres reunidas para uma festa realizada por uma viúva que comemoravam a herança que tinha recebido. No dia 3 de Junho regressámos a Bissau um pouco tristes por vermos que Manjacos e Mancanhas estão num forte processo de aculturação e as suas línguas correm o risco de desaparecerem. Feito o trabalho nas zonas mais a leste da Guiné-Bissau seguimos então para a região do Oio. Situada entre a região Bafatá e Cacheu, e menos seca que as regiões Bafatá e Gabú, é habitada maioritariamente por Mandingas e Balantas. Os primeiros estão instalados na zona norte e os segundos na zona oeste, numa faixa longitudinal de Norte a Sul. Dos contactos que tínhamos feito percebemos que iriamos trabalhar nas zonas de Mansôa e Bissorã e, visto que íamos chegar já ao final da tarde a preocupação maior era onde ficar alojado. Tínhamos apenas contactos de dois locais, um em Mansôa e outro em Bissorã e tínhamos de escolher para onde nos dirigir porque já não daria tempo para ir para outra cidade (Aqui na Guiné não é aconselhável viajar de noite). Escolhemos pelo “feeling” e acertámos. Ficámos no Hotel Uaque, perto de Mansôa. Este oásis hoteleiro proporciona água quente (opcional), ar condicionado, frigorifico e televisão nos bungalows, e ainda wi-fi e piscina (um regalo após vários dias de muito, muito calor). Começámos então por Mansôa, cidade de grande importância estratégica militar e onde está a sede da Rádio Sol Mansi, uma das mais importantes emissoras de rádio guineenses. É também nesta cidade que está sediado Os Balantas de Mansôa, um dos principais clubes de futebol guineenses, com emblema idêntico ao do Belenenses. A zona de Mansôa é habitada por Mansoancas. Considerados um subgrupo balanta, os Mansoancas resultaram do cruzamento de Mandingas e Balantas e, tal como os Mandigas, são uma população islamizada. Apesar da sua origem os Mansoancas não se identificam com nenhum dos grupos originários, sendo a sua cultura e língua diferente de ambos. O primeiro dia foi dedicado a percorrer tabancas mansoancas. Acompanhados por Umaro Camará, um jovem muito dinâmico, activista da Liga Guineense para os Direitos Humanos, visitámos as tabancas Cussana, Cussac e Mancalam. Em Cussana visitámos dois bairros, Cussana 1 e Cussana 2, onde pela primeira vez recolhemos canções infantis cantadas por homens. No primeiro bairro gravámos canções infantis mansoancas cantadas por mulheres e por um homem idoso (um mais-velho) e cego. No segundo bairro, foram apenas os homens que cantaram canções mansoancas infantis. Nesta tabanca visitámos também uma escola de ensino básico que, como reflexo da diversidade própria de uma escola, recolhemos canções cantadas por crianças mansoancas, balantas e fulas. Em Cussac e em Mancalam também recolhemos canções mansoancas infantis cantadas por homens e mulheres. Nesta última tabanca decorria uma cerimónia e foi o próprio jambacosse[1] que nos acompanhou na recolha de canções. [1] Curandeiro ou adivinho em crioulo guineense. No dia seguinte, fomos para Bissorã, zona de um sub-grupo balanta denominado Balanta Mané. Acompanhados pelo jovem Júlio Ribeiro Djata, visitámos as tabancas Blessar, Kunté, Sarro, Uatini e Panquenham. Nas tabancas Blessar, Kunté e Sarro recolhemos canções cantadas por mulheres. A população da tabanca Kunté está muito marcada por um grave acidente em que durante uma reunião um ramo gigante caiu sobre um grupo de pessoas originando matando muitas delas. Na tabanca Sarro encontrámos um grupo de mulheres reunidas numa casa onde realizavam uma festa e que alegremente se prontificaram a colaborar connosco cantando canções que cantam para os seus filhos. Em Uatini e Panquenham visitámos as escolas de ensino básico onde com a colaboração de professores gravámos canções balantas mané cantadas pelos alunos. Depois de uma manhã passada em Tabatô, seguimos para Gabú, capital da região com o mesmo nome. Gabú é a região mais a leste da Guiné-Bissau. Região muito seca e quente onde o verde se limita a bolanhas irrigadas por água retirada ao rio Geba através de bombas a energia fotovoltaica. A cidade de Gabú é uma pequena cidade muito suja (recolha de lixo existe apenas em Bissau e há poucas semanas) com edifícios coloniais muito degradados. Aqui o peixe é escasso e as refeições são maioritariamente de frango e de cabra. Ficámos novamente alojados numa casa de FEC no centro da cidade, e situada ao lado de um matadouro de cabras que tornava o acordar “um pouco” desagradável. Outro elemento de nota foi o calor. Estamos nesta altura no final da época seca e os sinais da época da chuva começam a aparecer. Os ventos fortes que normalmente antecedem a chuva têm aparecido durante a noite e durante a manhã o céu está nublado, mas a partir das 11:00 o sol começa a aquecer bastante. Por volta das 23:00 estavam 37ºC com sensação térmica de 41ºC. Acompanhados pelo Mamudo, uma pessoa indicada por um inspector educativo da região, seguimos então para as tabancas onde gravámos as canções. Nesta região habitada maioritariamente por Fulas e Mandingas, gravámos canções nas tabancas Fula Misseratchanha e Tassilima, nas tabancas Mandinga Canjadudi e na tabanca mista Bani, i.e., habitadas por estas duas etnias. Em Misseratchanha quase fomos atropelados por 2 burros (muito comuns nesta zona) que lutavam e corriam levando tudo à sua frente. Passado alguns minutos juntaram-se mais alguns à luta e voltaram a passar por nós cerca de 8 burros a alta velocidade. No dia 23 de manhã gravámos algumas canções da etnia Djacanca no bairro Algodon de Gabú. Depois de deixarmos Gabú regressámos a Bafatá, ao bairro Ponte Nova, habitado por uma pequena etnia, denominada Saracolé, onde recolhemos registos de canções desta etnia. Esta recolha foi conseguida com o apoio do cantor guineense Sambalá Kanuté, mais conhecido como o Elifante Grandi. A meio da tarde, deixámos Bafatá e fomos para a região Oio. No dia 18 de Maio deixámos Buba em direcção de Bafatá. Levados pelo nosso motorista Barra Siga passámos por Saltinho, uma zona de rápidos e cascatas muito famosas. Ao fim da manhã chegámos a Bafatá, capital da região com o mesmo nome. Nesta cidade, os serviços administrativos estão também instalados nos edifícios onde funcionavam os serviços administrativos coloniais. Estes edifícios coloniais estão situados na cidade velha, uma zona conhecida como o centro da cidade, mas quase deserta, em que o movimento se restringe apenas aos serviços administrativos. Ficámos instalados na casa da FEC e a empregada, chamada Teresa, mulher do Quintino, motorista da FEC, preparou-nos um delicioso almoço de peixe cozido acompanhado de batata, cenoura, cebola e repolho também cozidos. A região de Bafatá, assim como todo o leste do país, é predominantemente povoado pelas etnias Mandinga e Fula, no entanto existem algumas “bolsas” de outras etnias, o que nos interessou bastante. Nessa mesma tarde, guiados pelo Quintino, fomos à sua tabanca, denominada Saremeta, e na casa da sua família gravámos algumas canções Manjacas e, numa outra casa gravámos também uma canção Mansoanca cantada por uma mulher. Na região de Bafatá gravámos canções Mandinga, nas tabancas Gambasse, Nhabidjon, Cumuda, Cantauda, e canções Fula nas tabancas Dembandje e Tantan Cosé. Em alguns locais as duas etnias convivem na mesma tabanca, como foi o caso que encontramos em Caur. Fomos ainda à tabanca Brondão onde gravámos canções Balanta. Na segunda noite fomos "brindados" com uma festa do outro lado da rua mas o cansaço, o calor que se sentia durante a noite, e o ar condicionado da casa impediu-nos de atravessar a estrada. Adormecemos (já tarde) com aquela batida que, de manhã, pelas 9:00, voltou a recomeçar. No dia 21 de Maio tínhamos programada a viagem para Gabu com uma paragem mais longa em Tabatô, uma tabanca Mandinga onde grande parte da economia gira em volta da música. Aqui gravámos algumas canções por crianças e jovens raparigas e depois assistimos (e gravámos) às tradicionais músicas de Tabatô, uma performance cantada e dançadas por mulheres ao som dos Balafons e Dundumba. Depois deste maravilhoso espectáculo seguimos para casa de um dos músicos onde, durante algumas horas, dois músicos de Tabatô e o Zé estiveram a tocar guitarra e Balafon. Este instrumento era diferente dos anteriores pois não tinha os ressoadores de cabaça e a própria afinação era diferente, de forma a poder tocar com a guitarra. À hora de almoço, tivemos de deixar Tabatô para seguirmos viagem para Gabú. No dia 14 deixámos Catió e a região Tombali. Tínhamos previsto seguir para Buba, na região Quinara, mas um problema no carro obrigou-nos a ir para Bissau. No caminho, parámos em Batambali, uma tabanca Beafada situada no cruzamento para Empada, uma vila da região Quinara. Em Batambali tínhamos um grupo de mulheres e meninas, organizado por um professor a quem chamam Obama, famoso por ensinar português correctamente aos seus alunos. Facto que comprovámos, ao sermos abordados à nossa chegada, por uma criança de 8 anos que, ao contrário da grande maioria das crianças, e dos guineenses em geral, se nos dirigiu num perfeito português. O problema no carro, mais precisamente a necessidade de mudar a correia de distribuição, reteve-nos em Bissau até dia 16 de Maio. No dia 16 de Maio partimos então para Buba, capital da região Quinara. Buba é uma cidade banhada por um braço de mar que se mistura com o rio Grande de Buba. Nesta cidade ficámos instalados na Pousada da Bela Vista, mais conhecida pela pousada da Gabi, uma holandesa que vive na Guiné-Bissau há mais de 30 anos. A pousada da Gabi é um espaço muito bonito e agradável com 5 bungalows, cada um com 2 quartos. A estadia em Buba foi muito agradável, pois, além das noites bem dormidas no belo espaço da Gabi, tivemos também o prazer de comer num pequeno restaurante situado numa praça e composto por uma pequena casa de 2 divisões onde a comida é preparada. As refeições são servidas em mesas de plástico, colocadas na praça debaixo de uma árvore, à medida que os clientes chegam. Durante a nossa estada em Buba fomos ajudados pelo Bacar Bassi Djassi, uma pessoa ligada a uma rádio local e que nos foi indicada por conhecer muito bem a região e as pessoas. Recolhemos canções Balantas e Beafadas, sendo estas em maior número devido à predominância desta etnia na região. As gravações foram efectuadas na tabanca Balanta Samnhinté, que significa “deixa-me ver”, e nas tabancas Beafadas Ndjassani e Buba‑tumbo. Além destas tabancas fomos também a um bairro de Buba, denominado Nema Um, onde ouvimos uma canção lindíssima e totalmente diferente de todas as outras, quase sem melodia e apenas com os motivos rítmicos dados pelas consoantes das palavras. Em Buba confirmámos algo com que, já em Catió, nos tínhamos deparado: o facto de que na cidade toda a gente fala Criolo e as crianças já nem sabem falar as línguas das suas etnias de origem tornando-se necessário ir para fora da cidade, para regiões rurais mais isoladas, para conseguirmos fazer a gravação de canções nas línguas originais das etnias. Na última manhã em Buba, na pousada da Gabi, deparámo-nos com uma carrinha-furgoneta, tipo Mad Max, com uma tenda rebatível no tejadilho, de uma inglesa e um filho, com cerca de 16 anos. Mãe e filho saíram do País de Gales em Dezembro com o propósito de dar a volta ao mundo, tentando visitar todos os países. Inicialmente previam chegar à África do Sul em Abril, mas as dificuldades burocráticas encontradas em África atrasaram o calendário inicial, pelo que actualmente esperam demorar 10 anos a concretizar o seu projecto. Nesta manhã seguimos para Bafatá. Dia 12 de Maio viajámos de Bissau para Catió, capital da região Tombali, ao volante Barra Siga, o nosso condutor nesta viagem pela Guiné. Esta região está situada na ponta sudoeste da Guiné-Bissau, junto à Guiné Conacri. A cidade de Catió é uma pequena cidade, parada no tempo! O centro retrata o seu passado colonial, constituído por edifícios onde funcionavam os serviços administrativos coloniais que hoje, degradados, albergam os serviços administrativos guineenses. O acesso à cidade é difícil pois os últimos 60km de viagem, a “estrada” de Buba até Catió é de terra batida com vários locais em mau estado. De notar que esta é a época de apanha do Caju e por esta estrada circulam camiões carregados com toneladas de sacos. Já tínhamos sido informados que nesta região iriamos encontrar condições mais “precárias”. Após a chegada e algumas tentativas de encontrar o melhor local para pernoitar, acabámos por ficar instalados no melhor hotel da cidade, um edifício térreo, pintado de rosa, rodeado de um quintal e vedado por um muro alto. Após alguma conversa percebemos que aquele é o local mais procurado e os novos clientes esperam pela saída dos anteriores para ocuparem os quartos. Percebemos também que a limpeza era feita apenas no chão do quarto e que provavelmente os lençóis dos hóspedes que tinham saído nessa tarde não tinham sido mudados. Acabámos por optar montar uma tenda por cima da cama pois também as redes mosquiteiras estavam em mau estado. Os quartos têm porta directa para uma varanda com acesso ao quintal, são mobilados com uma cama de casal alta, de madeira maciça e pesada, uma pequena mesa e uma cadeira também em madeira e duas cadeiras de plástico, e têm electricidade das 19h00 às 23h30 e WC. A alimentação também é complicada em Catió. Nesta pequena e isolada cidade apenas conseguimos comer peixes de rio muito pequenos. Foi nos dito pela cozinheira que algumas empresas (julgamos nós) asiáticas compram quase todo o peixe da região para exportação. Quanto ao trabalho em si fomos ajudados pelo Cambraima, uma pessoa com familiares na zona e com alguma influência nesta região. Seguimos então para a recolha de canções da etnia Nalu nas tabancas[1] Cudocó e Cabulól Nalu e canções Balantas nas tabancas Ilha de Infanda e Cabulól Balanta. Na estrada entre as tabancas Cabulól Nalu e Cabulól Balanta encontrámos um grupo de mulheres junto a um poço, sentadas à conversa. Parámos o carro e elas, com os filhos amarrados nas suas costas, aceitaram o nosso pedido e cantaram canções Balantas, enquanto esperavam pela sua vez para encherem as bacias, baldes e jerricans com água e regressarem às suas casas. [1] Tabanca significa povoação, aldeia em crioulo. |
Breve DescriçãoProjecto de recolha do cancioneiro tradicional guineense, com especial enfoque no cancioneiro tradicional infantil, selecção e edição de um CD representativo da riqueza cultural musical da Guiné-Bissau. Arquivo |