PROJECTO DE RECOLHA E EDIÇÃO DE MÚSICA TRADICONAL INFANTIL DA GUINÉ BISSAU
O Sector Autónomo de Bissau corresponde à cidade de Bissau, situada no estuário do rio Geba. Portugal constituiu-a Capitania em 1692, concedeu-lhe o estatuto de vila em 1858, de cidade em 1914 e de capital da colónia em 1942. Após a independência manteve-se como capital do país. Há muitos séculos ponto de encontro de culturas, Bissau é habitada por cerca de um quarto da população do país (à volta de 400 mil habitantes), pertencente a cerca de 20 grupos étnicos diferentes, distribuídos por vários bairros. Esta enorme diversidade faz do crioulo a língua de encontro e de partilha e de Bissau uma cidade cheia de contrastes: Bissau Velho, junto ao porto, um pequeno, mas harmonioso bairro de arquitectura colonial; muito perto a Av. Amílcar Cabral com edifícios coloniais, como o que alberga os correios ou o Ministério da Justiça, e a Sé Catedral; a rotunda da Chapa onde é possível encontrar toda a gente; o Mercado do Bandim, o maior mercado de rua da Guiné-Bissau, que começa na Mãe de Água e se espalha pela Av. Dos Combatentes da Liberdade da Pátria, ocupando passeios e lojas e armazéns dos seus dois lados, onde se vende de tudo que se possa imaginar. Depois do trabalho de recolha de música tradicional infantil efectuado em todas as regiões do país, depois da recolha de música cantada em tantas línguas era chegada a hora das canções infantis em crioulo. E porque Bissau é formado por muitos “Bissaus” procurámos a diversidade e o encontro. Assim, num dia gravámos o jovem músico Sanassi Sissé que, em crioulo, cantou canções suas e de José Carlos Schwarz. Noutro dia fomos até ao bairro Militar, onde recolhemos canções cantadas por crianças em Crioulo e Pepel. No dia 14 de Junho, a Dra. Odete Semedo reuniu, no seu gabinete no INEP, um grupo de quatro mulheres e um homem, pertencentes a diversos grupos de mandjuandades, que cantaram canções de embalar tradicionais. Os 2 dias seguintes e também os nossos últimos dias na Guiné-Bissau, foram dedicados a gravar os Netos do Bandim, um Grupo Cultural constituído por indivíduos de ambos os sexos e de várias idades, residentes no bairro do Bandim, onde está também localizada a sua sede. Este Grupo Cultural dedica-se a recuperar e divulgar as canções e danças tradicionais da Guiné-Bissau, valorizando a cultura e promovendo a formação das crianças nos diferentes domínios da cultura. Com os Netos do Bandim gravámos canções infantis, de embalar, lenga-lengas, rodas, etc. Com os Netos do Bandim terminou a recolha de canções tradicionais infantis e, na madrugada deste dia regressámos a Portugal, dando por finda a primeira parte deste projecto.
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A Região Bolama-Bijagós não fazia parte do projecto, por diversas razões. Inesperadamente surgiu uma oportunidade para visitar a ilha de Orango e decidimos tentar estender a nossa recolha a este território. O mosaico cultural guineense ficaria muito mais completo. Orango é a maior ilha do arquipélago e a mais distante do continente. Conhecida pelos seus hipopótamos marinhos e tartarugas que aí vão desovar, integra um Parque Nacional com o mesmo nome. É também nesta ilha que viveu e está sepultada a rainha bijagó Okinka Pampa. Esta rainha é venerada por ter dificultado a colonização portuguesa, tendo conseguido um acordo de paz que protegia o seu povo. Partimos para a ilha de Orango na manhã do dia 9 de Junho. Apanhámos o barco do Orango Parque Hotel em Quinhamel e após cerca de 4 horas, embalados pelo mar e fascinados com a beleza dos mangues, pelicanos, praias, golfinhos, ilhas, como que vivendo um documentário do National Geographic, chegámos ao nosso destino. No dia seguinte, acompanhados de Mariana Ferreira, musicóloga e responsável pelo Orango Parque Hotel, fomos à tabanca Eticoga, ao encontro de um grupo de mulheres e crianças. Com umas e outras gravámos canções cantadas em Bijagó, Crioulo e Português. No dia 11 dissemos adeus a este pedaço do paraíso e regressámos ao continente e a Bissau. Chegámos a Quinhamel, capital da região do Biombo, no dia 7 de Junho. A região de Biombo é uma das mais pequenas da Guiné-Bissau e está situada entre o oceano Atlântico e o Sector Autónomo de Bissau. Esta é uma região com grandes áreas de mangal, habitada por muitas aves, como o pelicano e a garça, e com muita ostra. É também de Quinhamel que saem os barcos para algumas das ilhas dos Bijagós, como Orango ou Keré. Biombo é chão Pepel, uma etnia animista que preza muito a sua cultura e tradições. Quando chegámos estava a decorrer o fanado (iniciação masculina) e, por isso, vimos muitos jovens adultos vestidos com os seus panos tradicionais, o muito famoso “panu di pinti”, composto por tiras de panos, tecidas por homens em teares manuais e cozidas à mão. Visitámos o régulo Casmacó, do reino de Tor, que vive na tabanca Dorse, e na sua morança gravámos algumas canções Pepel cantadas por um grupo de crianças. No dia seguinte gravámos canções Pepel nas escolas das tabancas Bijimita, Ndjaclac e Quiuta. Na tabanca Ome fomos ao mercado e uma mulher cantou para nós algumas canções de ninar em Pepel. Neste dia fomos também conhecer o régulo mais importante desta etnia. Este régulo é um homem muito idoso, chamado Ule Cá e vive em Bijimita. Todos os régulos Pepel são da mesma linhagem, chamada Djagra. A região de Cacheu está situada no noroeste da Guiné-Bissau e tem como capital a cidade de Cacheu. Rodeada por mar e rias, esta região é dividida pelo rio com o mesmo nome. A margem norte do rio Cacheu é habitada por Felupes e Baiotes, dois subgrupos da etnia Joola maioritariamente instalada na Casamansa, ou seja, do outro lado da fronteira com o Senegal. A sul do rio Cacheu é zona de Manjacos e Mancanhas. A margem norte do rio Cacheu é atravessada por uma estrada “que dança”, i.e., uma estrada de terra batida e de piso difícil, que liga São Domingos a Varela, uma pequena povoação situada à beira-mar. O primeiro explorador português, Álvaro Fernandes, chegou à praia de Varela em 1446. Nós chegámos no final do dia 29 de Maio e ficámos instalados no único hotel da zona, o Chez Heléne, gerido por uma italiana (neta da senhora Heléne). E não poderia ter sido uma chegada melhor, ainda tínhamos duas horas de sol e estávamos mesmo ao lado da única praia de areia da Guiné continental. Não havia opção senão conhecer o extenso areal deserto, onde os únicos veraneantes eram suínos e bovinos, e a água estava a à temperatura "agradável" de 28ºC. Depois do mergulho voltámos ao hotel onde nos foi servida uma refeição fantástica, por um chefe italiano. No dia seguinte, acompanhados pelo Leon Djata, um professor da escola de ensino básico de Tenhate, visitámos Basseor, onde gravámos canções Felupes cantadas por crianças e por mulheres. Na escola de Tenhate, gravámos canções cantadas por crianças e na tabanca Sucujaque gravámos canções cantadas por mulheres sentadas na varanda da casa de um dos principais régulos Felupe. Ao fim da tarde regressámos a Basseor, onde a mulher do Leon nos tinha preparado uma saborosa refeição, acompanhada por vinho de palma. No dia 31 de Maio deixámos Varela e, de regresso a São Domingos, parámos em Suzana e no jardim infantil recolhemos canções Felupes cantadas por crianças. Daqui seguimos para a tabanca Nhambalam onde, depois de assistirmos a um ritual familiar animista, gravámos canções Baiote cantadas por crianças e por mulheres. Daqui seguimos para Canchungo, na margem sul do rio Cacheu. Deste lado do rio, está a cidade de Cacheu, que foi a primeira povoação criada pelos portugueses. Em 1588 foi construído um forte e em 1641 foi criada a Capitania de Cacheu, com Gonçalo Gamboa Ayalla como seu primeiro Capitão-mor. Foi também em Cacheu que os portugueses construíram a primeira igreja na África Ocidental. Cacheu foi um grande porto de saída de escravos e, actualmente a memória da escravatura tem estado a ser resgatada através do projecto “Cacheu, Caminho de Escravos”, financiado pela União Europeia, tendo sido inaugurado em 2016 o Memorial da Escravatura e Trafico Negreiro de Cacheu, que visa a divulgação da cultura e da história de Cacheu. Perto de Cacheu está localizada a cidade de Canchungo, onde chegámos ao fim do dia 31 de Maio. Devido à hora que chegámos tivemos de escolher o local do alojamento sem grande conhecimento. Aqui as opções eram um hotel ecológico de um francês ou um outro no centro da cidade mas de onde as referências eram duvidosas. Posto assim a escolha parece óbvia mas acabou por ser a escolha errada. Apesar do excelente jantar que nos foi servido, a “ecologia” dos quartos revelou-se bastante desconfortável, sem água canalizada (nem esgoto obviamente) nem ventoinhas, sanita ecológica dentro do quarto, redes em mau estado, calor… No dia seguinte logo pela manhã fomos ver os quartos do outro hotel, no centro da cidade, que tinham água canalizada, ar condicionado, televisão e até varanda. Ficámos dois dias na região de Cacheu a sul do rio com o mesmo nome. Nesta zona habitada por Manjacos e Mancanhas a nossa missão revelou-se muito difícil, pois as crianças destas duas etnias já quase só falam crioulo e só conhecem canções nesta língua. Além disso, no primeiro dia era 1 de Junho, o dia internacional da criança e as escolas tinham preparado festas para os seus alunos. Participámos da festa da escola Artur Ferrazzetta, no bairro Iolabuti da tabanca Manjaca Pandim. Com muita persistência conseguimos gravar canções Manjacas nas tabancas Pandim, Tame e Canhob. Aqui contámos com a ajuda do chefe Valentim, que reuniu um grupo de mulheres muito bonitas e com trajes belíssimos que cantou em Manjaco uma mão cheia de canções de embalar e também algumas crianças que cantaram canções cristãs, as únicas que sabiam em Manjaco. O dia seguinte foi dedicado à etnia Mancanha e fomos às tabancas Có, Cassinate, Fei e Bolon. Em todas tivemos a mesma dificuldade em conseguir encontrar crianças que soubessem canções tradicionais nesta língua. Apesar disso, na escola Joaquim Mantan Biague, na tabanca Có, conseguimos gravar algumas canções cantadas por rapazes. Em Cassinate gravámos canções cantadas por mulheres e um homem. Em Fei conseguimos a participação de algumas mulheres que se encontravam reunidas para um toca-choro e em Bolon de mulheres reunidas para uma festa realizada por uma viúva que comemoravam a herança que tinha recebido. No dia 3 de Junho regressámos a Bissau um pouco tristes por vermos que Manjacos e Mancanhas estão num forte processo de aculturação e as suas línguas correm o risco de desaparecerem. |
Breve DescriçãoProjecto de recolha do cancioneiro tradicional guineense, com especial enfoque no cancioneiro tradicional infantil, selecção e edição de um CD representativo da riqueza cultural musical da Guiné-Bissau. Arquivo |